O Vermelho em 2001: Uma Odisseia no Espaço

Postado em:
Blog - Psicologia das Cores
- 19/12/2018 13:21:03

 

O filme reconhecido com maestria pelo corte que une 4 milhões de anos de história (osso ? nave espacial) é considerada a obra mais importante para o gênero ficção científica. Tão consagrado que o longa deixou um grande legado para os filmes de ficção científica que se seguiram; seus elementos de linguagem sensorial, trilha sonora impecável e narrativa corajosa. Além o disso, o filme é marcado pela predominância da cor vermelha.

Sabe-se que Stanley Kubrick é um diretor que se utiliza bastante da cor e que seus filmes trazem certa violência. O longa de 1968 traz detalhes vermelhos e ao mesmo tempo cenas com iluminações completamente avermelhadas. Nesse caso, veremos como o vermelho contribui para a narrativa do filme e de que maneira ele envia mensagens inconsciente aos espectadores.

No livro ?A Psicologia das Cores?,  Eva Heller diz que quando uma cor simbólica adquire tanta importância, a ponto de ser imprescindível que a observemos, ela passa a ser fortalecida por símbolos não relacionados a cores. Os semáforos, por exemplo, como símbolos cromáticos profundamente internalizados foram transpostos para outros domínios. O vermelho sinaliza: ?Pare! Perigo!?. Freios de emergência e botões de alarme são vermelhos. Nos balões, o cabo que só pode ser puxado para descida é vermelho.

A cor vermelha nos diz: ?Pare! Proibida a entrada!?. Uma luz vermelha à porta de um estúdio de rádio ou de uma sala de operações significa que o acesso está proibido. No futebol, um jogador fica proibido de continuar jogando quando o árbitro da partilha lhe mostra o ?cartão vermelho?. Desde o sinal que proíbe estacionar até o aviso de ?Proibido fumar?, os sinais de proibição têm, internacionalmente, dois elementos em comum:

  1. Uma margem vermelha.
  2. Todos os sinais de proibição são redondos.

Dessa forma podemos nos transportar ao cinema e imaginar algo simples: seguido por cenas de tensão, o close de um botão vermelho e redondo. Imediatamente associaremos tal imagem ao perigo. Não será necessário que o personagem nos diga, nem que haja uma narração ou uma legenda. O público vai, automaticamente, associar a cor e o símbolo. Isso se deve a nossa formação e a nossa cultura. Os simbolismos já estão enraizados no nosso inconsciente, quer a gente queira, quer não. Isso começa a acontecer antes que a gente se dê conta. O vermelho, por exemplo, foi a primeira cor que o homem batizou e, supostamente, a primeira cor que os bebês enxergam.

O vermelho é a cor de todas as paixões, as boas e as más. Porém, como falamos que a variação dos tons altera seus significados, o vermelho do ódio é certamente mais escuro que o vermelho do amor. Isso se dá devido ao acorde cromático do ódio contar com a presença do vermelho, preto e amarelo. Desse modo, assim como o verde de Matrix, o vermelho de Kubrick está sempre associado ao preto, logo o filme explora um vermelho ressignificado.

Quando o astronauta Dave Bowman vai até a memória da máquina e começa a desativá-la, a cena é completamente vermelha, tanto a iluminação como o figurino do personagem. A maquinária de HAL em si é vermelha e, assim, já apresenta perigo logo de cara. Porém, quando Dave vai desligá-lo, percebemos a real proporção do perigo. O vermelho do perigo está sempre combinado ao preto, que torna negativo o significado da cor. Curioso é que o vermelho é a cor que transita entre o amor e o ódio, dois sentimentos opostos. Nessa cena, o vermelho do amor se transforma, acompanhado do preto, em ódio.

Em seu livro, Heller ainda diz que ?o inferno é vermelho, e também ?os inferninhos? ? onde reluzem certas luzes vermelhas?.  Vemos a baixo que a memória da máquina é justamente esse lugar:

 
Nesta cena, é possível identificar a seguinte afirmação: o vermelho brilhante tem essa qualidade visualmente agressiva, onde o espaço parece avançar e parece mais raso do que realmente é.

            Vimos que a memória da máquina é completamente vermelha, mas antes de chegar nesse momento do filme e no local que de fato pode destruir HAL, Dave passa por outros ambientes e situações que gritam esse perigo através da cor vermelho. Ao longo do filme existe uma luz vermelha na cabine de controle da nave. Mesmo parecendo um local seguro, isso significa que aquele lugar é perigoso, apesar de ser o único lugar onde os homens podem controlar a máquina. O perigo não é apenas para os astronautas, mas também para o computador. Visto que HAL quer ter o controle da nave, qualquer um que estiver ali está, de alguma forma, se colocando como adversário de HAL, disputando o controle da nave.

 

Sobre o perigo, podemos dizer que tudo começa quando HAL reporta um mau funcionamento na unidade AE-35, o dispositivo responsável por manter a comunicação com o Planeta Terra. Desse modo, Dave vai até o local e substitui a unidade. Em seguida, junto com Frank Poole, faz uma análise da falha na peça defeituosa e descobre que não tem nada de errado. HAL alega ser ?erro humano?, mas os astronautas não confiaram no palpite do computador e começam a desconfiar de sua integridade.

            Por conta disso, Dave e Frank se encontram secretamente em uma das suítes espaciais, pensando que lá HAL não poderia ouví-los. De fato, HAL não podia. Mas, através da janela, o computador conseguia fazer leitura labial e identificar tudo que os astronautas estavam planejando. Assim, soube por acaso que os dois estavam planejando desconectá-lo, pois ele estava no controle de todas as operações da nave e não parecia estar sendo honesto em suas atividades.

            HAL sugere que a peça com defeito seja colocada de volta à unidade e Frank sai da nave para fazer isso. Durante a ação, é brutamente interrompido. HAL toma controle da space pod e bate no astronauta. O impacto fez com que a mangueira de ar se cortasse, assim, o oxigênio começou a vazar lentamente fazendo com que Frank sufocasse até a morte. Interessante é a cor do EMU de Frank no momento em que ele deixa a nave. Temos dito que o vermelho é a cor do perigo e, consequentemente, da advertência. Mas o amarelo também é; por exemplo, preto sobre amarelo são os sinais de advertência para materiais venenosos, explosivos e radioativos.

 

 

O amarelo foi eleito a cor internacional das advertências. Na linguagem das bandeiras, a amarela significa a letra ?Q?, de quarentena. Nesse caso, podemos associar o traje amarelo de Frank a esse período de quarenta; os dias de atenção na pessoa para perceber se ela vai desenvolver a doença ou não. É claro que como espectadores nós não sabemos dessa atenção sobre o personagem, nem que ele virá a falecer, mas é uma informação que a cor do traje ajuda a construir na concepção do personagem para os que conhecem um pouco sobre o estudo da psicologia das cores.

Apesar de seu traje ser amarelo, seu tanque de oxigênio é vermelho. Ao contrário do figurino de Dave, onde o traje é vermelho e o tanque amarelo. Ambos os personagens apresentam as mesmas cores, porém em medidas diferentes, visto que o tamanho do traje é maior do que o tamanho do tanque de oxigênio. Como falamos, a advertência do amarelo está ligada à substâncias geralmente farais, diferente do vermelho, que está ligada somente ao perigo iminente. O perigo do vermelho não necessariamente se enquadra em fatalidades, pode ser apenas um alerta.

 

Enquanto o destino de Frank é fatal, Dave segue enfrentando momentos onde o perigo está instaurado, devido às tentativas de HAL de tomar controle da nave e da missão. Além de seu EMU vermelho nos mostrar que o personagem está assumindo o risco do perigo para si, Dave ainda passa por locais completamente vermelhos e se depara com algumas mensagens de perigo antes de chegar à memória da máquina. Claro que o local está sempre associado ao preto. Na figura abaixo, vemos um dos locais que Dave entra e é jogado contra a parede devido à propulsão. O local é vermelho, possui luzes vermelhas e ainda possui detalhes pretos; nada que grite mais esse perigo.

 

Frame retirado do filme 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968)

 

Vermelho ainda é poder, mas não vem acompanhado de um imperativo moral. A depender do que a história precisa, o vermelho pode dar o poder a um cara legal ou um cara mal. Afinal de contas, tanto a Bruxa Malvada quanto a Dorothy usavam sapatilhas de rubi. O exemplo das personagens de O Mágico de Oz também conversa com o filme de Kubrick. O astronauta Dave, que representa o cara legal/do bem, em um dos momentos do filme, veste um EMU (Unidade Móvel Extraveicular), clássico traje de astronauta, vermelho. Já o computador HAL, em seu hardware, possui uma circunferência vermelha na área da câmera. Desse modo, percebemos que tanto o mocinho quanto o vilão se utilizam da mesma cor, assim como acontece no filme de Fleming com dois personagens moralmente diferentes: Dorothy e a Bruxa Má do Oeste.

Além dos dois se utilizarem da cor vermelha em seu ?corpo? seja ele uma pessoa ou uma máquina, ambos possuem o poder. O impasse é justamente esse. Enquanto HAL deseja tomar o controle da nave, Dave tem o poder de impedi-lo, mas para isso tem que chegar a maquinária para desconectar o computador. Em determinado momento quando Dave já está na memória do computador, temos um frame onde é possível ver o astronauta através dos ?olhos? do computador. Além do perigo que os dois enfrentam e o poder que os dois possuem, no frame abaixo podemos ver raiva e ódio no olhar de HAL, que, apesar dos esforços para impedir, é finalmente desligado por Dave.

 

A partir desse filme, podemos entender como o vermelho transita entre a vida ? o amor e a paixão; e entre o sangue ? violência e morte. Outras impressões dessa cor transitam entre significados bons e ruins, a depender de qual cor o acompanha. Como em 2001 o vermelho está sempre associado ao preto, as mensagens transmitidas por esse filme são, em maioria, de cunho negativo e agressivo. Assim, o vermelho afeta os espectadores de modo a alertá-los para o que vai acontecer ou está acontecendo. O vermelho também pode parecer que algo se move mais rápido, gerando ansiedade, tensão e dinamismo. Em um filme, dando ritmo.



Nicole Verissimo é formada em Cinema pela PUC-Rio e estudante de Publicidade com domínio adicional em Neurociência e Cognição.

 

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