Por Leonardo Luiz Ferreira
A definição etimológica da palavra parasita já abarca literalmente o universo a ser retratado no longa-metragem de Bong Joon-ho: ?organismo que vive de e em outro organismo, dele obtendo alimento e não raro causando-lhe dano.? Mas a habilidade do cineasta e roteirista está em construir significados e leituras diversos a partir da simplicidade direta de um conceito. Ao desfecho do filme, o espectador deve-se perguntar: ?quem é o parasita??
A carreira de Bong é pautada na junção entre o cinema de gênero e o comentário ácido sobre a sociedade. Ele tem o completo domínio das diferentes ferramentas cinematográficas para conduzir o espectador em jornadas de entretenimento e reflexão. E esse acabamento entre cinema de arte e artesão atinge o ápice em ?Parasita?, que dialoga com os mais diferentes públicos. Por mais que cada indivíduo compreenda de maneira singular o filme, nenhum deles sai indiferente da experiência ? que é exatamente o objetivo do realizador.
O discurso em ?Parasita? acaba por sobressair na maioria das análises e opiniões sobre o longa: os ricos parecem viver em um conto de fadas, com preocupações burguesas a respeito de um certo tipo de alimento ou bebida; uma festa infantil em meio a uma enchente na cidade; e a reverência constante aos Estados Unidos, símbolo máximo do capitalismo. Nesse ponto, é notável o quanto o roteiro apresenta sutilmente essas questões: os filhos têm que aprender inglês, não só para a vida, como para manter o status quo; em determinados momentos, em meio a uma frase em coreano, a elite fala algo em inglês; e o menino estará protegido do temporal exatamente porque a oca em que decidiu dormir veio da América. Por outro lado, aos pobres reservam-se os restos, de comida e de espaço. Mas, então, qual seria a diferença de ?Parasita? para tantos outros projetos que retrataram a luta de classes? É exatamente através da mise en scène, ou seja, de tudo aquilo que compõe a encenação, seja o posicionamento de câmera e a disposição dos atores no plano, que Joon Ho constrói um filme que transcende o cinema político panfletário ou o maniqueísmo de certas obras corais (que trazem inúmeros personagens e histórias paralelas), que buscam revelar o âmago da sociedade, porém se utilizam de ferramentas grosseiras de linguagem, como interpretações estereotipadas, trilha sonora que sublinha cada detalhe emocional e movimentos de câmera que não propõem nada ao olhar, apenas buscam reiterar o óbvio. Como já declarou o cineasta Douglas Sirk: ?o momento que você deseja ensinar sua audiência, é aquele no qual você está fazendo um filme ruim?.
A maneira como se filma os espaços e como eles se relacionam com os personagens traduz tanto ou mais do que seus diálogos, como os planos fechados e o apartamento exíguo da família pobre. Há sempre um elemento externo, seja a natureza ou o homem, a desestabilizar a dinâmica desses personagens: a chuva destrói o pouco que eles têm, não só deles, como da vizinhança; um bêbado todo dia faz suas necessidades em frente à janela deles. Para sair de casa, eles chegam ao final de uma ladeira: o caminho para chegar até o lar dos ricos passa por uma ascensão física e literal tanto quanto utópica. Não à toa, a presença mais constante em ?Parasita? é das escadas. Essa divisão das classes fica estabelecida também pelo subir e descer entre os espaços: durante o temporal, que sinaliza o instante de ruptura, os empregados devem descer vários degraus até regressarem a casa inundada. Após viver um dia de ?rico?, eles retornam a realidade de dificuldade em um registro que prescinde de palavras para ser compreendido. É na captura de um retrato arquitetônico de uma casa, com seus inúmeros cômodos e esconderijos, que Bong traça de maneira inolvidável, entre o humor negro e a tensão, a luta de classes. Como num processo de fagocitose, os personagens tentam destruir o ?inimigo? (o outro) e criar proteção para si e família. E não existe um retrato mais direto e frontal da atualidade do que ?Parasita?: ao filmar a sociedade sul-coreana, Joon-ho, na verdade, revela o mundo e suas relações carcomidas, desgastadas e decadentes. ?Parasita? é um espelho, repleto de rachaduras, da humanidade.
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