A História do Cinema Japonês - Parte 1

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- 27/04/2020 09:47:22


O cinema japonês está dentre os cinemas mais singulares do mundo. O fato de ter sido um país distante do Ocidente até a abertura de seus portos em 1868 na Era Meiji, contribuiu para um material extremamente rico e exótico aos olhos ocidentais. Mas o cinema japonês não se resume apenas a um retrato de um Japão feudal onde Daimyos e Samurais reinavam, mas também a um retrato de uma sociedade complexa em meio a tradições milenares até histórias fantásticas e futurísticas. 

O Japão tem uma rica história de inovação em filmes. Os cineastas japoneses deram uma contribuição significativa à indústria cinematográfica de todo o mundo, tanto na maneira como os filmes são produzidos, quanto também ao enriquecer a qualidade e o tipo de filmes disponíveis ao público. Produtores, roteiristas, criadores e cineastas japoneses deram um impulso à paixão global por filmes e causaram um impacto duradouro no cinema internacional. 

 

Após a abertura dos seus portos, o Japão tem seu primeiro contato com o cinema através do Cinescópio de Edison apresentado em Kobe em 1896. Mas, somente um ano depois, apenas dois anos após a apresentação do cinematógrafo dos irmãos Lumière nas dependências da Sociedade Francesa, o grande público japonês teve seu primeiro maior contato com a cultura ocidental, através da apresentação desta mesma tecnologia trazida pelo empresário têxtil Katsutaro Inabata com o auxílio de François-Constant Girel. 
 

As primeiras apresentações foram estrondosas dentre o povo japonês. Este sucesso inicial foi essencial para o surgimento das primeiras companhias cinematográficas japonesas, Yakota de Einosuke Yakota e Yoshizawa de Ken?ichi Kawamura. Estas empresas nos anos seguintes criaram as primeiras salas fixas de exibição japonesas, sendo Denkikan a primeira criada por Yoshizawa na área de Asakusa em Tóquio em 1903. 
 

A consolidação do cinema entre o público japonês não se deu apenas pelo filme em si. Claro que houve, sim, um impacto inicial mediante a novidade do contato com a cultura ocidental. Mas há um diferencial importante não presente nas exibições no Ocidente, e isto seria representado pela figura dos benshi, narradores advindos do teatro os quais traziam não apenas a voz aos vários personagens, mas explicavam a trama narrativa das histórias antes da projeção, descreviam em detalhes as particularidades dos países estrangeiros, angariava as simpatias do público em relação a um determinado assunto e até mesmo explicavam as técnicas cinematográficas utilizadas e o funcionamento do projetor. 
Tal sucesso se deve à familiarização que os benshi traziam as obras estrangeiras, diminuindo assim a sua estranheza ao público japonês, que apesar do fascínio inicial da cultura ocidental, não possuíam uma grande identificação com relação à história da obra projetada, além de uma aversão do povo japonês a novidades conflitantes com as suas tradições. 

 

Os primeiros filmes relatavam o cotidiano japonês com recursos cênicos primitivos, promovendo um registro social e produzidos pela casa fotográfica Konishi. Estes filmes cederiam lugar a readaptações de conhecidos dramas Kabuki tal como o famoso Visão das Folhas de Bordo interpretado pelos célebres atores Kabuki Kikuguri Onoe V, Danjuro Ichikawa IX e adaptado por Tsunekichi Shibata, muito semelhantes ao estilo de cinema de Meliés, com a câmera em um ponto fixo. 
 

Os benshi eram tão poderosos dentro da indústria que até opinavam sobre a necessidade da utilização de uma cena ou não. Isso se devia a já citada adoração do público a estes profissionais. Mesmo que tenham sido essenciais para a consolidação do cinema dentro do Japão, os benshi por sua vez, também impediram que inovações recentes do cinema fossem empregados no país, como os progressos sonoros e a montagem. 
 

Após esse período inicial do cinema no país, em 1912 há a criação do primeiro grande estúdio cinematográfico, a Nikkatsu, empresa formada através da junção de Yakota, Yoshizawa, M. Pathé e Fukuhodo. Sob a gestão de Einosuke Yakota, com uma estrutura maior, a presença do primeiro diretor Japonês, Shozo Makino, além da grande estrela Matsunosuke Onoe, famoso ator do teatro Kabuki. A empresa deteve a maior parte do mercado nacional e se especializou em dramas Shimpa, estrutura que dentro da indústria japonesa ficaria conhecida como Gendaigeki: filmes que retratam uma sociedade contemporânea e eternizados no Ocidente por diretores como Yasujiro Ozu. 

Em 1920 acontece a criação da Taikatsu, empresa de vida curta por conta da falência de seu patrocinador, porém, essencial para a transformação do cinema japonês, já que ao empregar diversas técnicas cinematográficas do cinema americano. O modelo ocidental adotado pela Taikatsu foi vital para fundação de Shochiku, segunda maior empresa do ramo. Shochiku, já atuante no mercado teatral, detinha um circuito de salas teatrais. Seus donos, Takejiro Otani e Matsujiro Shirai possuíam conexões com a Yakuza e portanto dispunham de um grande poder financeiro, o que os permitiu investir de forma exponencial em equipamentos para se igualar a um modelo hollywoodiano. Construindo seus estúdios em Kamata, na província de Tóquio, os empresários tinham como objetivo tornar o cinema japonês mais próximo ao cinema americano.
 

Shochiku foi o primeiro estúdio a substituir os oyama (homens especializados em atuar como personagens femininos),  por atrizes, o que gerou o surgimento de diversas estrelas, no molde das atrizes internacionais e que não perdiam em nada em popularidade.  Esse naturalismo no cinema japonês, mais realista, se tornou cada vez mais comum no cinema do país nos próximos anos. 
 

Cineastas como Norimasa Kaeriyama com Glow of life (1919), Kaoru Osanai com seu filme Almas Pela Estrada (1920) e Jun?ichiro? Tanizaki com Amateur club (1920), foram os primeiros a tentar trazer ao cinema japonês um status de uma arte séria, empregando as mais novas técnicas e gerando uma nova estética ao cinema, já que este, tal como em outros países como o Brasil, foi por muito tempo não considerado, ou considerado uma arte inferior a outras como por exemplo a Literatura, chegando ao ponto de filmes anteriores só poderem ser lançados após a morte dos atores do teatro kabuki presentes nas películas.  Esta recusa ao cinema pelos grandes atores consagrados das vertentes teatrais clássicas acabou gerando uma busca por atores considerados de uma classe inferior. Os mesmos viriam a se tornar as primeiras estrelas cinematográficas. 

Devido à nova concorrência a qual surgiu nos últimos anos, a Nikkatsu, atual detentora da maior parte da parcela da indústria teve de se adaptar devido à competição com as outras empresas. O cinema tinha seu sucesso confirmado pelo novo culto às divas femininas e pela procura de um realismo cada vez maior nas histórias causando assim a extinção dos Oyama por completo dando lugar a atrizes como Takako Irie, Kinuyo Tanaka, Isuzu Yamada, Setsuko Hara e Machiko Kyo, dentre outras que gravaram seu nome na história do cinema do país. 
 

A Loja de Colarinhos de Kyoya, um dos últimos filmes desta era, foi dirigido por Eizo Tanaka, e que contou com a assistência do ainda jovem Kenji Mizoguchi. Seu nome se tornaria um dos maiores da Nikkatsu e do cinema japonês como um todo. O filme marca um gênero cinematográfico denominado Runpen mono, filmes estes onde os membros à margem da sociedade são retratados, gênero que sustentará o nome de Mizoguchi e por consequência, a Nikkatsu até a crise vinda com o surgimento da TV nos anos sessenta.

Essa foi a Parte 1 de nossa viagem pela história do Cinema Japonês, fique ligado para as próximas partes! E você pode conferir a nossa box dedicada ao Cinema Japonês em nossa loja: https://rosebud.club/produto.asp?produto=49

- Texto de Gabriel da Cunha Esteves  

Gabriel é diretor de arte, bacharel em cinema pela UNESA e atualmente atua como voluntário junto a Cinemateca brasileira. Nutre uma paixão e respeito pelo cinema japonês e busca o aperfeiçoamento de seus conhecimentos nessa área durante sua vida acadêmica.

 

 

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